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Liberação de Veículo Apreendido com Mercadorias Estrangeiras

Atualizado: 11 de abr.

Sou natural de uma cidade situada em uma das principais regiões de fronteira do Brasil. Desde cedo convivi com a realidade das grandes operações da PRF e da Receita Federal, que frequentemente resultavam na apreensão de veículos transportando mercadorias oriundas do Paraguai. Esse cenário despertou meu interesse pelo Direito Penal e Aduaneiro, áreas em que hoje atuo com dedicação exclusiva há seis anos.


Com base nessa vivência e na experiência adquirida em atendimentos por todo o país, construí uma atuação sólida e reconhecida nacionalmente, especialmente na defesa de caminhoneiros, empresas transportadoras e operadores logísticos envolvidos em casos de contrabando ou descaminho. Já conduzi com êxito diversos processos envolvendo a liberação de caminhões, carretas e bitrens apreendidos, tanto na esfera administrativa quanto judicial.


Neste artigo, explico de forma clara e objetiva os principais caminhos legais para a liberação de veículos apreendidos com mercadorias estrangeiras, apontando as teses e estratégias mais utilizadas e eficazes para proteger os interesses dos envolvidos.


Quando o veículo é apreendido com mercadoria estrangeira


É bastante comum que veículos sejam retidos ao transportar mercadorias estrangeiras sem a documentação exigida, sobretudo em áreas de fronteira com o Paraguai. Nesses casos, a Receita Federal aplica o procedimento de perdimento com base no art. 104, V, do Decreto-Lei nº 37/1966, e no art. 688, V, do Decreto nº 6.759/2009, vejamos:


Art.104. Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção; (Decreto-Lei nº 37/1966)

Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 24; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 75, § 4º): V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; (Decreto-Lei nº 6.759/2009)

No entanto, a simples presença da mercadoria no veículo não autoriza, por si só, a perda definitiva do bem. O proprietário do veículo tem direitos garantidos que podem reverter a apreensão — e impedir o leilão do patrimônio.


A prova da responsabilidade do proprietário é indispensável


A pena de perdimento exige que a Receita Federal comprove, em processo regular, a participação do proprietário do veículo na infração. Não basta o vínculo formal com o bem: é preciso demonstrar má-fé ou dolo.


A aplicação da pena de perdimento de veículo no âmbito aduaneiro exige, conforme disposto expressamente no art. 104, V do Decreto-Lei nº 37/1966, que o bem pertença ao responsável pela infração punível com essa sanção. Ou seja, o ordenamento jurídico veda a imposição automática do perdimento com base unicamente no transporte de mercadorias sujeitas à penalidade, sendo indispensável que haja nexo subjetivo entre o proprietário do veículo e a infração cometida.


A interpretação sistemática do dispositivo reforça o princípio da responsabilidade subjetiva no direito sancionador, exigindo a comprovação de que o proprietário tenha concorrido dolosa ou culposamente para a infração. Assim, nos casos em que o veículo é de terceiro alheio à conduta ilícita, a sanção de perdimento configura medida desproporcional e arbitrária.


A mesma lógica se aplica ao art. 688, V do Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), que reproduz o requisito da propriedade do veículo pelo responsável pela infração para justificar o perdimento.


O dispositivo reafirma a necessidade de participação do proprietário na conduta lesiva ao erário, afastando a possibilidade de sanção objetiva. Não basta, portanto, que o veículo tenha sido utilizado para transportar mercadoria sujeita à pena de perda; é imprescindível que se demonstre, com elementos concretos, que o proprietário tinha ciência e anuía com a prática ilícita, sob pena de violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da proporcionalidade.


O entendimento jurisprudencial mais consolidado caminha nesse sentido, reconhecendo que a ausência de dolo ou culpa do proprietário impede a aplicação da penalidade de perdimento, vejamos:


“A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade de seu proprietário na prática do ilícito.” (TRF-3 – 5002689-65.2022.4.03.6005)

Desproporcionalidade entre o valor do veículo e da mercadoria


A jurisprudência é clara: quando o valor da mercadoria é muito inferior ao do veículo, a aplicação da penalidade é desproporcional e, portanto, ilegal. Isso vale especialmente em apreensões com produtos típicos do Paraguai, de valor unitário baixo, vejamos:


“Flagrante a desproporcionalidade entre o valor do veículo apreendido e o das mercadorias [...] há que se reconhecer a ilegalidade da medida.”(STJ – AgRg no AREsp: 434787 SC)

A aplicação da pena de perdimento deve observar, obrigatoriamente, o princípio da proporcionalidade, consagrado no Estado Democrático de Direito e amplamente reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores. Em inúmeros casos envolvendo veículos de transporte de cargas — especialmente caminhões e carretas com valor de mercado que ultrapassa R$ 500 mil — verifica-se que a mercadoria apreendida possui valor significativamente inferior, como ocorre, por exemplo, quando o caminhoneiro adquire pneus, peças de reposição ou eletrônicos no Paraguai ou vinhos na Argentina, sem a devida documentação fiscal.


Nesses casos, ainda que se entenda pela existência de infração aduaneira, impor o perdimento integral do veículo representa uma sanção desproporcional e desarrazoada, pois o valor do bem punido supera em muito o suposto dano ao erário.


É justamente com base nesse critério de razoabilidade que, na prática administrativa e judicial, muitos veículos são liberados, mesmo diante da configuração de infração tributária ou aduaneira. A jurisprudência tem reconhecido que o perdimento não pode ser utilizado como mecanismo de punição excessiva, principalmente quando não há indícios de habitualidade, organização criminosa ou aproveitamento comercial significativo da operação.


Assim, a simples introdução irregular de itens de uso pessoal ou de pequena monta, como pneus, sem qualquer indício de má-fé ou dolo, não justifica o sacrifício de um bem de valor elevado, como um caminhão ou carreta essencial ao sustento do transportador. Em tais situações, o próprio interesse público — que visa à justiça tributária e não à destruição de patrimônios legítimos — recomenda a liberação do veículo, sem prejuízo da aplicação de outras medidas legais proporcionais, como a apreensão da mercadoria ou eventual multa.


Medidas alternativas à pena de perdimento


Mesmo diante da apreensão, a legislação prevê mecanismos legais para obter a liberação do veículo, como:


  • Fiel depositário: liberação provisória com compromisso de guarda (art. 775 do Regulamento Aduaneiro);


  • Caução: garantia para assegurar o processo fiscal sem manter o veículo retido;


  • Multa: nos termos do art. 739 do Regulamento Aduaneiro, a pena de perdimento pode ser substituída por multa equivalente ao dobro da multa originária.


Nulidades e falhas processuais


No âmbito do processo administrativo fiscal da Receita Federal, é imprescindível a observância estrita aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade dos atos praticados. Diversas nulidades têm sido reconhecidas tanto na via administrativa quanto judicial, especialmente em casos de ausência de intimação válida do interessado para apresentação de defesa prévia, indeferimento imotivado de provas requeridas, e ausência de fundamentação adequada na decisão que aplica a pena de perdimento.


Todo o processo deve observar o que estabelece o Decreto nº 70.235/1972. Qualquer violação ao direito de defesa, ausência de motivação ou ato praticado por autoridade incompetente pode resultar na nulidade da penalidade.


“Art. 59. São nulos: II - os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa.” (Art. 59, II, do Decreto nº 70.235/1972)

Além disso, vícios como a falta de identificação clara da autoridade competente que lavrou o auto de infração, ou a utilização de elementos genéricos e presunções infundadas para justificar a responsabilidade do proprietário do veículo, comprometem a legalidade do procedimento. Tais nulidades, quando devidamente arguidas, podem levar à anulação do auto de infração e de todos os atos dele decorrentes, incluindo a própria pena de perdimento, restabelecendo o direito de propriedade e garantindo a integridade do devido processo legal.


Prazos: como agir rapidamente


Os prazos no processo administrativo fiscal da Receita Federal seguem a regra da contagem de dias corridos e a contagem tem início no primeiro dia útil seguinte à data da ciência ou intimação válida do interessado.


  • 20 dias para apresentar impugnação administrativa - 1ª instância (Art. 27-A do Decreto-Lei nº 1.455/1976)


Art. 27-A. Efetuada a intimação relativa à aplicação da penalidade de que trata o art. 27 deste Decreto-Lei, caberá impugnação no prazo de 20 (vinte) dias, contado da data da ciência do intimado.

A impugnação será julgada pela Equipe Nacional de Julgamento (Enaj), vinculada ao Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul), nos termos da Portaria RFB nº 348/2023.


Caso a decisão seja desfavorável, é possível interpor recurso, que será julgado pelas Câmaras Recursais do Cejul, conforme previsto no art. 2º, II da Portaria RFB nº 348/2023.


  • 20 dias para interpor recurso voluntário - 2ª instância (Art. 27-D do Decreto-Lei nº 1.455/1976)


Art. 27-D. Na hipótese de decisão de primeira instância desfavorável ao autuado, caberá interposição de recurso à segunda instância no prazo de 20 (vinte) dias, contado da data da ciência do autuado, sem prejuízo da destinação de mercadoria ou veículo de que trata o art. 28 deste Decreto-Lei.

A revelia no processo administrativo fiscal da Receita Federal ocorre quando o autuado, regularmente intimado, deixa de apresentar defesa no prazo legal, o que acarreta a presunção de veracidade dos fatos alegados no auto de infração e permite o prosseguimento do feito com julgamento à revelia. Essa omissão pode ser extremamente prejudicial, sobretudo nos casos de pena de perdimento de veículo, pois, sem manifestação do interessado, não há contraditório efetivo nem análise de eventuais excludentes de responsabilidade, como a ausência de participação do proprietário na infração ou a desproporcionalidade da sanção.


Além disso, a revelia muitas vezes conduz à consolidação imediata da penalidade e posterior encaminhamento do bem para leilão, inviabilizando a restituição administrativa. Por isso, a atuação tempestiva e técnica na defesa administrativa é essencial para resguardar o direito de propriedade e evitar prejuízos irreversíveis.


Liberação administrativa e judicial


Além dos pedidos de restituição apresentados diretamente à Receita, a liberação também pode ser buscada por via judicial. O proprietário pode propor:


  • Mandado de segurança com pedido de liminar para liberar imediatamente o veículo;


  • Ação anulatória do processo fiscal com base em nulidade ou excesso de poder;


  • Pedidos de indenização, se o veículo for leiloado antes da decisão definitiva;


“A pena de perdimento [...] somente se aplica se comprovada a má-fé do proprietário. Ausente essa condição, deve ser restituído o bem.” (TRF-3 – 5002013-20.2022.4.03.6005)

Conclusão


Se seu veículo foi apreendido com mercadorias estrangeiras, não aceite o perdimento como definitivo. A legislação exige provas da responsabilidade do proprietário, respeita o princípio da proporcionalidade e permite a restituição mesmo antes da conclusão do processo. Cada caso tem suas nuances, mas a defesa existe — e funciona.


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